querido caio,
faz muito tempo que não me entrego a esse tipo de coisa, então chego a achar que já perdi o jeito... como não vivi muito até hoje, quando digo que algo “faz muito tempo”, sinto-me tremendamente infantil, olha só, que negação da idade, tão nova já querendo ser adulta.
já que não tem uísque, estou tomando guaraná e ouvindo cazuza, foi seu amigo, não foi? li em alguma biografia das muitas sobre você. por falar em conhecer e amizades, por vezes me pego frustrada demais por não ter lhe conhecido, provavelmente teríamos sido grandes amigos, de verdade. Poderia ter lhe dado alguma das frangas e você teria dedicado algum de seus lindos textos a mim “seria bonito, diria talvez, coisas bonitas não acontecem mais...”.
sabe, caio, não ache que sou exagerada nem nada, na verdade eu sou, mas tem muitas coisas sobre mim que não queria que você soubesse, acho que isso nos distanciaria. não as coisas, mas sim todo esse medo de me expor para as pessoas... você não era nenhum pouco assim. cheguei a acreditar em algumas ideias que são completamente contra meus princípios – anti-princípios - para explicar essa ligação literária entre a gente. acho que tu já sentiste isso em relação à clarice, mas olhe só que mundo injusto, little quixote, você a conheceu e eu, nunca terei a oportunidade nem de pegar na tua mão, assim, me contentarei com meu magnífico exemplar de 1982 com um autografo que eu me gabo tanto, mas nem é para mim.
meu primeiro livro eu dediquei a você e a garota de freud, a você foi escondidinho - como muitas das minhas dedicatórias, mas foi o meu jeito de dizer o quanto tu és importante para mim. temos nossos segredos, não é? penso que você acreditaria em mim se visse o quanto despindo a sanidade se parece com terça-feira gorda, e acreditaria também quando eu te falasse que escrevi aquele conto sem ler o teu, garoto, o livro não me deixou ler.
acho que não tenho mais o que te dizer, colocarei essa carta junto com aquelas que eu escrevi para o jim à quase cinco anos atrás.
gosto de ti, quixote, mais que o garcia.
beijos com sabor de bala de criança, como os da última carta.